domingo, 29 de maio de 2011

Café amargo

Baboseira

         (Contribuição da famigerada Jamile Angelo)

         Ontem eu fui dormir e percebi como eu gostava da minha cama. Como eu gostava de dormir esparramada e cheia de travesseiros.
      Hoje eu acordei e já arrumei minha cama, não gosto de ter que fazer isso depois. Fui pra cozinha e não tinha nenhum copo sujo de coca-cola em cima da pia, passei o meu café. Exatamente um copo, não ficou forte nem fraco, não sobrou e nem faltou. O dia seguiu tranqüilo não tinha nada fora do lugar, não tinha maços de cigarro espalhados pela casa, nem muitos fios de cabelo no chão.
      Adoro passar o dia no meu quarto, sozinha, lendo os textos para a aula de amanhã. O tempo nem sempre passa rápido, mas quando escurece tudo está em ordem e o dia foi exatamente como deveria ser.
      Não sei por que, mas a verdade é que eu trocaria esse dia perfeito, com todas essas coisas que eu tanto gosto, por um dia com você!


(Jamile Angelo)

sábado, 28 de maio de 2011

Reajuste

Pseudo-crônica

“Ilmo Sr locatário Paulo Roberto Campos Lopes
Viemos por meio desta, comunicar-lhe que o aluguel do imóvel sitio à Rua Florindo Cibin, nº 781, centro, Americana –SP, sofrerá um reajuste de seis por cento como previsto e formalizado no contrato de locação. À partir de junho, o seu aluguel já será reajustado e incluído os devidos tributos. Caso haja eventuais dúvidas, favor entrar em contato com o nosso departamento financeiro, Obrigada.”

- Escuta aqui ô Boy, que porcaria é essa? – Perguntou indignado o empresário gordo de cabelos brancos ralos.

O motoboy magricela parou imediatamente de fuçar no celular, e foi acometido por um surto de raiva instantânea. Sentiu vontade de responder – Boy é a Puta que lhe paril – mas achou melhor não criar caso.

- É um comunicado campeão.
- E o que essa palhaçada quer dizer?
- É só ler amizade – Respondeu debochando e voltando novamente à atenção para o celular.
- Seis por cento de reajuste, isso é um assalto ! – Esbravejou o gordão esmurrando a mesa.
- Pois é chefe, mãos ao alto! – Tentou descontrair mas não deu certo.
- E você ainda acha graça seu moleque de merda? Isso é inadmissível, não vou pagar seis por cento à mais, nem por decreto, vou consultar meu advogado, vou aos órgãos responsáveis, vou ao PROCON, vou até aos quintos dos infernos, mas não pago seis por cento.
- Ok Chefe, é só assinar o protocolo – Falou mais despretensioso que nunca, com a intenção de finalizar as lamentações. 
- Não vou assinar porcaria nenhuma – Bateu com a caneta na mesa, recostou sobre a cadeira, e cruzou os braços com cara de garoto mimado.

Já sem saco para tanta ladainha, o motoboy se aproximou da mesa do grandalhão, puxou com raiva o protocolo, e o enfio dentro da bolsa sem dizer uma só palavra, fitou-o com os punhos fechados por alguns segundos, virou as costas, e partiu. Antes de cruzar a porta, parou o passo, virou-se, e desabafou.

- É complicado né chefe? Esse negócio de reajuste...O preço do ônibus que eu tomo pra trabalhar, sofreu um reajuste de oito por cento, a gasolina está os olhos da cara, dizem que o reajuste foi pra mais de cinco por cento, esses dias fui comprar o leite dos meus moleques, e o preço estava cinqüenta centavos mais caro, sem contar essas taxas de financiamentos malucas, ainda só não comprei a minha gringa, por conta desses juros abusivos. E sabe o que me deixa mais chateado Doutor, é que ninguém me mandou um comunicado.
Apoiando o queixo com as duas mãos sobre a mesa, o gordão estava imóvel e boquiaberto. Sem dizer nada, fez sinal para o motoboy magricela se aproximar, escreveu algo no ar com uma caneta imaginária como se pedisse de volta o bendito protocolo, socando a mão na bolsa, o motoboy sacou o protocolo amassado e jogou com ar de superior na mesa do empresário. Mas que depressa o gordão assinou o protocolo e fez sinal para o motoboy esperar mais um segundo, levantou-se da cadeira, enfio a mão no bolso, e puxou uma carteira rechonchuda, fuçou o calhamaço de dinheiros por alguns segundos, e a fechou depois de pegar vinte reais.

 - Tome um refrigerante.

                O magricela pegou o dinheiro, o protocolo e socou tudo na bolsa. Saiu satisfeito do escritório, e tomou uma cerveja gelada com ar de malandro orgulhoso no boteco do André.


(Bruno Ottenio)




quarta-feira, 18 de maio de 2011

Ateísmo, a nova tendência do verão

Idéia


Mesmo depois de embarcar nesse destruidor de ideologias que é o curso de Ciências Sociais, cujo a principal função é catequizar inversamente os nobres e críticos alunos intelectuais, ainda teimo em acreditar em “Deus”
Os mais conservadores esbravejariam “Onde já se viu um Cientista Social Cristão ?”, ora bolas, é aí que entra o maravilhoso mundo da antropologia, cada um acredita em o que quer, come o que bem entender, e vive como lhe dá na telha (adoro antropologia). E quem foi que disse que ser ateu é pré-requisito pra ser Cientista Social ?
    
         Ás vezes chego a acreditar que não passa de charme, é requintado afirmar em alto e bom som “Eu sou ateu”. Porém, toda via, por hora, minha intenção não é bancar o testemunha de Jeová e evangelizar os jovens mancebos aos domingos de manhã, e sim falar um pouco desse cidadão confuso e irônico que todos o chamam de Deus.
      
         Uma vez escutei uma frase engraçada, “Deus é um garoto levado, brincando com uma lupa sobre um formigueiro”, confesso que não hesitei em concordar com tal frase. Na minha humilde opinião Deus existe sim, mas o que eu direi aqui poderá chocar as carolas de plantão, por isso se você ainda imprime folhetos pra Santo Expedito para atingir a graça, ainda vai à missa todo domingo pra ouvir sempre o mesmo discurso, e ainda se confessa com o confiável vigário duas vezes ao mês, pare agora de ler essa heresia e vá se benzer o mais rápido que puder.
    
        Deus não é um senhor de cabelos e barbas brancas com um cajado na mão, ele sou eu, é você, é o cachorro da vizinha, é o mendigo da praça da Sé, é o mar, o vento, os sentimentos, Deus é o amor, o ódio, a íra, a alegria, o contentamento, o descontente. Deus não está nas igrejas, mas sim nos bordéis, nos cassinos e nas bocas de fumo.
Deus tem projetos macros, ele não liga se você está triste porque não ganhou aquele tão sonhado presente de natal, está pouco se lixando se está sofrendo porque seu namorado fugiu com o circo e casou-se com a trapezista, Deus não vai te mandar pro mármore do inferno se você transar antes, durante, ou depois do casamento, e ele está cagando e andando pra quantas vezes você foi no culto essa semana.
   
       “Ele morreu porque Deus quis assim”, não, ele não quis assim, o cara morreu porque simplesmente tinha que morrer. Os seus sentimentos individuais são seus e Deus não está nem aí para o seu egocentrismo, e para a sua hipocrisia. Ás vezes ele tira um barato da gente, pra matar o tempo celeste, mas ás vezes faz a coisa certa.

“Tentei ser crente, mas meu Cristo é diferente”

AXÉ


 (Bruno Ottenio)

domingo, 15 de maio de 2011

Caixa de cervejas

Pseudo-crônica


        Depois de uma semana exaustiva ministrando aulas nas turmas de ensino médio, finalmente chegou a tão esperada sexta-feira à tarde. Saí do colégio com um palpite famigerado de tomar cerveja com porção de queijo parmesão; passei no supermercado no caminho de casa e sem hesitar depositei uma caixa de cervejas no carrinho de compras; saí cruzando os corredores em busca do queijo – “Queijo Parmesão Temperado” – era isso que dizia a embalagem, resolvi experimentar; ao lado da prateleira de queijos, havia a sugestão de alguns vinhos, lembrei da patroa, ela adora vinho, apanhei uma garrafa – “Tinto suave de mesa” – parecia ser bom.
        Me casei à pouco tempo, sempre me esqueço a data mas faz uns quatro anos mais ou menos, ainda não temos filhos, não por falta de tentativas, deve ter algo errado com a gente.
       Chego em casa atrapalhado com a sacola e dou de cara com a Patroa sentada rente à mesa com cara de amuada, resmungava algo em baixo tom, como se conversasse com um amigo imaginário. Dando-se por conta da minha presença, ergueu os olhos e me deu um sorriso triste seguido de um beijo rápido.
       Lamuriou-se então fervorosamente, estava com problemas no trabalho, datas estipuladas, pressão do chefe, e um milhão de planilhas pra preencher. Como não entendo bulhufas de setores administrativos, pude apenas ouvir, e arriscar a dizer que tudo iria dar certo.

- Não sei pra que uma caixa de cerveja ! - Reclamou enquanto eu desensacava a cerveja, o queijo e o vinho, fingi que não ouvi.
- Adoro esse vinho ! – Contentou-se agora já abrindo a garrafa.

        Enquanto cortava o parmesão em cubos, conversávamos sobre várias coisas; sobre o feriado na praia, sobre o stress das aulas, sobre o governo Dilma, sobre como o cabelo da Kátia havia ficado engraçado, até sobre o novo carro zero-quilômetro que o vizinho comprou, carro ridículo.
Apanhei uma cerveja e me esparramei no sofá, me atrapalhei um pouco com o controle remoto, os meus momentos na sala eram raríssimos. Logo atrás já veio a Patroa, também segurando uma lata de cerveja.
- Não sei pra que uma caixa de cerveja ! – Tornou a esbravejar um pouco mais dócil dessa vez.
     
       Deitou a meu lado no sofá apertado, e abraçou-me como se temesse um dia me perder. Continuamos conversando por muito tempo, vez ou outra prestávamos atenção no filme sem graça que passava na TV. Já com o riso mole, me abraçava ainda mais forte e fazia cachos no meu cabelo.
      Percebi que a cerveja havia acabado, a garrafa de vinho estava seca no chão da sala ao lado do prato vazio que à pouco estava o parmesão. Sentíamos-nos mais cúmplices do que nunca, sua pernas entrelaçadas às minhas, se tornavam uma só. Não fizemos amor naquela noite, apenas dormimos abraçados e bêbados; antes de pegar no sono ela abriu um sorriso embriagado, olhou nos meus olhos e disse rendendo-se ás gargalhadas.
- Não sei pra que uma caixa de cerveja – Apertou-me e adormeceu

(Bruno Ottenio)

O trabalho enobrece os "laços"

Pseudo-crônica


Fiquei desempregado pra mais de um ano, comi o pão que o Tinhoso amassou, vendia o almoço pra comprar o jantar, não sobrava cruzeiros nem pra molhar o beiço no boteco do Messias. A situação ficou preta pro meu lado, estava aceitando qualquer tipo de cilada que me aparecesse, desde vigia noturno, até à atendente de fast-food. Vendo o meu aperto, minha mãe gentilmente cedia alguns trocados de vez em quando pra  manter o meu vício e comprar alguns cigarros, mas não queria abusar da velha, foi aí que decidi tocar violão na praça da Sé pra não depender mais das migalhas da pobrezinha, não deu muito certo, as músicas do Roberto Carlos não faziam mais tanto sucesso quanto antigamente. Ia à entrevistas por volta de três vezes por semana, mas a resposta era sempre a mesma – Assim que tivermos um parecer retornamos pra ti – pois é, não retornavam, e quando o faziam, era apenas pra dizer que meu perfil não era compatível com a proposta da empresa.  A urucubaca estava feita, e muito bem feita por sinal.
       No início meus amigos me deram uma baita força, me emprestavam uma grana,  faziam questão da minha companhia nos passeios de sábado à noite,  vez ou outra até pagavam a minha cerveja, mas essas generosidades foram se tornando cada vez mais escassas, até que me vi sozinho.
      O Charlão nunca mais passou em casa pro jogarmos sinuca e  comermos amendoim com uísque, o Juninho sumiu no mapa e me abandonou nas quarta-feira que religiosamente assistíamos os jogos regados à cerveja do campeonato Brasileiro, nem se quer pro futebol  nas quintas à noite eu era convidado, e a Juliana, minha namorada, ou melhor, ex-namorada, disse que estava confusa em relação aos sentimentos, queria conhecer novas pessoas, precisava de um tempo, me dispensou.
         Passei incontáveis finais de semana na solidão dos meus aposentos, sendo praticamente obrigado à assistir aos insultos à minha inteligência que são os programas de TV que se vê hoje em dia. Estava na lama, sozinho, sem dinheiro, e assistindo “A Lagoa Azul – Parte II” num domingo à tarde, era o fim.
        Mas eis que o  Nosso Senhor Jesus Cristo, colocou a mão em meu caminho, e derramou suas graças sobre mim, consegui enfim um bendito emprego. Passei a trabalhar como auxiliar de almoxarifado no centro da cidade, não era lá essas coisas mas dava pra levantar um faz-me-rir.
        Minha vida voltou ao normal, desde então não fiquei em casa um final de semana sequer,agora sempre sou convidado e minha presença é sempre garantida em toda e qualquer reunião entre amigos. Vou pra churrascos, festinhas, barzinhos, botecos, bodegas, biroscas, baladas, quermesses, entre outras centenas de lugares, sempre acompanhado é claro, dos meus verdadeiros amigos, Charlão, Juninho e companhia. De vez em quando sobra até uns trocados pra comer um Mc Donalds com a Jú...Ah é esqueci de dizer, eu e a Juliana voltamos à namorar, ano que vem tem casório na certa, sabe como é, quando bate o amor não tem jeito.
(Bruno Ottenio)

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Tú és bossa nova

Baboseira

         "Conheço um milhão de pessoas, tenho poucos amigos, outros tantos já perdi, amizade é algo frágil como uma peça de porcelana, um só esbarrão e tudo vira caco, além de perder-se fácil como agulhas no palheiro. Os drogados morrem, os malandros são presos, e os importantes se vão. As mulheres também partem, algumas vão e não voltam, outras vem e não saem mais, “Por trás de um homem triste, há sempre uma mulher feliz”, como diria aquele outro.


         Essa festa está uma loucura, sexo, cerveja e vazio, dá até pra ouvir o eco, vou tomar mais uma pra preencher esse maldito espaço. Ás dúvidas ainda estão em mim, meu nome é Bentinho, mas me chame de Escobar."


(Bruno Ottenio)

domingo, 1 de maio de 2011

Sobre o fim do eu Drummond

Baboseira

Pulou da cama às onze e meia, acordou menino, beliscou uma coisa cá outra lá, fingiu ser ator, dramaturgo, dançou, rebolou e mais uma vez fantasiou o impossível. A Babilônia é atraente até onde os olhos conseguem ver, esteve com verdadeiros e sentiu-se na paz de dizer verdades, chorou internamente mas sorriu do outro lado, a vida é curta negro.
Em alguns momentos hesitou, em outros consentiu, até tudo se dissolver numa nova gargalhada engasgada de álcool e experiências. Eram todos compatíveis, todos iguais e ridiculamente diferentes, não estava são, nunca esteve, ninguém está.
Foi à França com Estelle e Elodí, especulou sobre o petróleo na Venezuela, fumou haxixe em Bogotá, bebeu cevada em Madureira,e no fim pensou que fosse Drummond. Falou asneiras e mais asneiras e mais asneiras, imaginou transas, tranças, traças, grotescas, engraçadas, estava em paz.
Acordou com um coração e dormiu com outro, dormiu homem, ele estava de volta, voltou doutor.


(Bruno Ottenio)