Nunca fui simpático em relação à velórios; devo ter ido em três ou quatro no máximo, e em todos é sempre aquela mesma ladainha: Viúva chorando, cafézinho fraco, molecada correndo pra lá e pra cá, e aquele cheiro insuportável de difundo empalhado mesclado aos lírios podres.
Porém farei questão de comparecer especialmente à um velório, o meu. Sim, eu sei que é meio óbvio mas quando digo que estarei lá, não me refiro ao meu corpo presente, até mesmo porque esse será apenas um presuntão amontoado numa caixa de madeira, mas estarei em espírito e ficarei sentadinho de pernas cruzadas pitando um cigarrinho ao lado do camarada que acabou de bater as botas, eu.
Recuso qualquer oferta de passagem para outras vidas antes do funeral, sejam elas ofertadas pelo Todo Poderoso, ou sejam elas ofertadas pelo Tinhoso Belzebu. Eles é que não me venham com aquele papinho clichê de luz azul e fim do túnel, nessa eu não caio. Ficarei aqui, e desmentirei qualquer lágrima de crocodilo que pingares em meu caixão durante a unção do Padréco.
Circularei por todo canto me embrenhando no meio das rodinhas de conversa, e me emputecerei com a hipocrisia póstuma que costuma açoitar aqueles que permanecem vivos: “Pobre coitado, era um sujeito tão bom, quase um santo” – Santo é a senhora sua mãe! E para aqueles verdadeiros e despudorados que se atreverem à relembrar as minhas falhas e bobagens em meio à essas lamúrias de nostalgia, esses sim terão o meu eterno apreço.
Tomarei um cafezinho, brincarei de pega-pega com a molecada, e provavelmente darei muitas risadas com aquelas piadinhas que todo tio cretino teima em contar durante os velórios; seria um dia bacana e cansativo se eu estivesse vivo.
Quando entoarem o salmo final e finalmente encherem-me de terra nos olhos, darei um beijo carinhoso à cada um que o mereça, e tentarei perdoar à todos que me fizeram mal, todavia um perdão que não garanto, pois mesmo depois de dormir pretendo guardar minhas memórias, e o mal que fiz, carregarei para sempre dentro dessa alma penada.
Bruno Ottenio
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