quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Sorriso doloso

             A parte de trás do cabelo cor de sol ficava enrolada formando um volumoso coque no alto da cabeça, a franja era delicadamente sobreposta sobre as sobrancelhas artisticamente delineadas. Pintava os olhos e os lábios, remodelava os cílios, e deixava escapar um sorriso de canto de boca quando conferia-se pela última vez no espelho do guarda-roupa arcaico. Jogava a bolsa sobre os ombros, pedia a benção de Jah, e tomava o ônibus às nove.
                Vivia à dizer-me que a vida no departamento pessoal era um bocado difícil, provavelmente seria deveras. Passava o dia contando horas, férias, folgas, avisos, décimos terceiros, extras e até mesmo tempo; contava tanto que às vezes encontrava-se consigo mesma em seus sonhos inconscientes, e lhe contava os seus segredos, seus planos, seus medos. Pensava em ir para o litoral, São Vicente talvez, contou pra si mais uma vez.
                Atrás da parede de vidro, via-se apenas seus cabelos reluzentes trançados de maneira bonita e engraçada, quando levantava a cabeça e observava o movimento continuo na repartição pública, abria-se num sorriso tímido e agressivo se acaso visse algo que merecesse tal gesto; sorriso embaraçoso, doloso, difícil não retribuir.
                E assim vivia, contava; e quando não o fazia, apenas ouvia o que as músicas lhe diziam e abria um novo sorriso embotado de esperança e bons fluídos.


(Bruno Ottenio)

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