quarta-feira, 13 de julho de 2011

O bom Crioulo, no samba é professor

Pseudo-crônica



Depois de muita ladainha e muito tititi, o malandro deixou de conversa e resolveu fazer o que lhe seria pago para que fosse feito. Botou o copo de cerveja em cima de um caixote de frutas improvisado de mesa, puxou com vontade o último fumaceiro da cigarrilha de palha e o lançou pra longe quase atingindo os pés descalços de um neguinho maltrapilho que observava tudo atentamente, deu uma última ajeitada no chapéu panamá impecavelmente branco, e fez notável a sua vaidade quando conferiu pela última os sapatos para  certificar-se de que eles ainda estavam limpos e engraxados do mesmo modo de que quando chegou no morro; juntou o violão ao peito, pigarreou com a voz rouca de baixo tenor, estralou os dedos um por um, e desatinou o vozeirão embalado com a harmonia do violão.
A Favela virou uma festa só, o murmurinho silencioso de apreensão, tornou-se gritos histéricos de alegria coletiva; o negrinho curioso e mal vestido, agora pulava, cantarolava, e sorria de contentamento envolvido pelo samba do malandro marrento; aos poucos o pandeiro também ganhou destaque junto aos acordes precisos do violão, em pouco tempo o samba estava feito.
Cerveja, samba, mulatas, e alegria, era isso que o malandro mais gostava nessa vida, exibido que só ele, brincava de fora à fora no braço extenso do violão, de estipe elegante  e despojado, cantava fazendo charme pra moças que sambavam ao seu redor; depois de uma pausa para um gole generoso de cerveja, pontilhou novamente o seu violão e saudou Cartola, decretou a alvorada no morro, ninguém sentia tristeza, muito menos desabor; lembrou de Leci Brandão e viu lá longe o Zé do Caroço dançando com um copo de cerveja na mão abraçado à duas mulatas, limitou-se à cumprimentá-lo com um aceno de cabeça e um sorriso sem interromper o sambalanço; de súbito, o malandro lembrou-se que teria que pegar o trem que sairia às onze horas direto pra Jaçanã, mas como já havia perdido a hora, resolveu ficar e tocar uma do tal Adoniran Barbosa, “Agora só amanha de manhã” pensou.
Em cima de uma laje distante, o malandro viu uma menina mulher da pele preta sambando solitária, a preta o fitou com seus olhos azuis, e escancarou o seu sorriso branco, retribuindo o gesto, o malandro mandou-lhe uma piscadela, e um beijinho no ar carregado de muita malícia, sujeitão charmoso que só.
Ali do ladinho, o malandro percebeu um sujeito meio ressabiado, de boina e camisa surrada aberta até o umbigo, o camarada olhava pros lados aflito e preocupado; meteu a mão no bolso e puxou um fumo diferente, ainda desconfiado, perdeu alguns minutos entretido com o cigarrinho que teimava em enrolar, quando percebeu que estava sendo observado pelo malandro, o sujeito se aproximou e falou acompanhado de um riso sacana – Vou apertar, mas não vou acender agora – meteu o cigarrinho no bolso da camisa, e se mandou
Varou a madrugada na favela, fazendo a alegria do povão, cantando de um jeito maroto e vivo, e tocando violão como aprendeu com Pai João. Pouco à pouco, o morro esvaziou-se, e o malandro viu que era hora de correr atrás do bonde, ainda sorrindo, acendeu mais uma cigarrilha de palha e ajeitou novamente seu chapéu;  ajoelho-se e guardou vagarosamente o seu violão chorão na mala; meio embriagado, viu a pretinha da laje se aproximando sorrateira de vestidinho azul claro.
- Me pediram pra entregar o seu pagamento – Disse a preta com voz tímida tentando esconder o sorriso.
O malandro levantou-se, passou a mão no rosto da moça, e lhe deu um beijo sem nem ao menos perguntar o seu nome, a moça desandou ainda mais na timidez, esticou-lhe os braços e entregou o pagamento ao homem, o malandro pegou a garrafa de cachaça das mãos da moça, botou embaixo do braço, jogou o violão nas costas, e foi-se embora assoviando alguma música do Jamelão.

(Bruno Ottenio)


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