domingo, 5 de junho de 2011

A moça que (des)amou

Pseudo-crônica



Cresceu sempre muito bem alimentada à base de iogurte, leite em pó, e pão de forma com presunto e queijo; sua lancheira sempre era a mais recheada da turma.
                Um amor de menininha, um orgulho pro papai, o docinho da mamãe; tocava Beethoven no piano para as visitas, ás vezes até arriscava uma palinha nas poesias de Dostoiévski – Que graça! – exultavam as visitas, batendo palminhas e enchendo os olhos d’água com sorrisos bobos.
                Garotinha simpática era aquela, cabelos dourados cor de sol, sempre amarrado com um lenço cor-de-rosa bem engomado, o vestidinho sempre impecável repleto de rendas e babados, o sapatinho de boneca, havia ganhado do papai no último aniversário. Quando abria um sorriso, tudo ficava em paz, tudo se ajeitava [...]doce e harmonioso sorriso.
                Começou cedo à trabalhar no escritório contábil do pai, embora não fosse necessário, ela levava à sério o setor de arquivos. Responsável e dedicada, era tecida de elogios pelo pai coruja, que à cada dois meses à presenteava com um generoso aumento.
Quando a mamãe percebeu, o seu tesouro já havia virado rapariga; não tocava mais piano, e nem beijava os pais na frente das amigas. Costumava  se trancar no quarto, e ouvir bossa nova pensando nos amores platônicos, ninguém descrevia tão bem os seus sentimentos, quanto Tom Jobim.
                Desde de criança, o papai sempre à alertou sobre os rapazes, mas a moça era curiosa, teimosa, aflita, apaixonou-se, amou além da conta, e chorou como o pai havia previsto. Chorou dessa vez por perder um amor real, e não platônico, percebeu que o real doía ainda mais, e percebeu que o Tom Jobim era meio abstrato, positivista demais, passou à preferir o Chico,  trancou o peito.
                Resolveu dançar pela dança do mundo, bailou com rapazes diferentes, com moças diferentes, confundiu os prazeres, alternou taras, virou noites e mais noites em claro, sorrindo e cantando, chorando e remoendo. Tentou de novo, uma, duas, três vezes...não conseguia mais, deixou de amar.
                Teve uma vida confortável e maluca, experimentou de tudo, viu o mundo em suas várias facetas, até que sossegou com previu que sossegaria; Mal conseguiu chorar quando o pai morreu dois meses depois da mãe; pitava seu cigarro de menta procurando lembranças na varanda de casa, mas nada vinha-lhe à mente, todos os doces momentos haviam se apagado em sua mente já cansada.
                Morreu velhinha de morte morrida, sozinha em casa [...] bebeu o cálice de vinho, depositou o cigarro ainda aceso na mesinha de centro, sentou-se vagarosamente na cadeira de balanço, e sentiu o peito apertar como à tempos não sentia, havia até esquecido que ali batia um coração, um pouco antes de morrer, ouviu a introdução de uma música do Chico que tocava na vitrola, tentou identificá-la para torná-la a sua música de morte, mas antes do carioca cantar, ela cochilou.

(Bruno Ottenio)

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