sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Mazel Tov




           Meu Bar Mitzvá também foi aos treze. Não foi na mesquita, não usei quipá, não me levantaram na cadeira, na verdade, nem sou judeu.
        
           Lembro que o sol queimava forte na esquina da rua Luiz Carlos Prestes com a Tancredo Neves. De pés descalços e rosto suado, sentei em cima da bola de capotão naquele pequeno intervalo antes de voltar à pelada. Rubinho sacou um baseado do bolso e o acendeu com fósforo “Fiat lux”.

- Maricas – Resmugou Rubens quando recusei o beck.

Wilian, o dono da bola, esbravejou comigo:

- A bola vai ficar oval, filho da puta!
         
             Sempesco sacaneou Elías:

- Ei Viadinho, fala pra sua irmã que estou com saudades dela. Já bati várias praquela gostosa.
          
           Antes do brown chegar ao fim, vi Jonas descendo a ladeira feito um tanque de guerra com os olhos cheios de lágrimas. Gritava e gesticulava algo que não conseguíamos entender. Foi chegando, chegando, chegando, e tudo ficou claro:

- Filhos da puta! Filhos da puta! Mataram o Rick! Mataram o Rick!
         
          Mataram o Rick. Quem matou ninguém sabe até hoje. Talvez os gambé, talvez cobrança; mas o Rick estava morto. Não jogamos mais bola naquele dia.


          Ali, virei adulto.

domingo, 22 de setembro de 2013

Os Senhores de Engenho do Século XXI - O "sofrimento" dos homens brancos.




          Hoje vou falar de homem...De homem não, de macho. Isso mesmo, machão, daqueles que coçam o saco e não cruzam as pernas em nenhuma hipótese. Mas não falarei de machos em geral, e sim de um grupo em especial que sofre as terríveis opressões diárias proporcionadas pela pós-modernidade: Machos, brancos, heterossexuais e ricos.
          Há poucos dias, em uma “palestra” do não menos “sofrido” Luiz Felipe Pondé, escuto nas caixas de som um rapaz que lamentava-se no microfone cedido aos expectadores ao fim da descabida fala do Sr. Pondé. Depois de quarenta e cinco minutos vomitando besteiras e sendo constantemente hostilizado com cartazes e vaias vindas de um grupo de feministas; haja visto que o Sr. Pondé detesta feminismo, feministas e minorias, ao ponto de publicar por diversas vezes em sua coluna semanal na Folha de São Paulo ofensas sem rodeios contra as moçoilas militantes as quais ele chama de “Nem tão mulheres assim”. Voltemos ao rapaz convalescido ao microfone.
          Com voz trêmula e emocionada, o jovem sarado, de camiseta pólo e bochechas rosadas agradeceu imensamente a presença do palestrante Pondé, e expressou seu indignado repúdio contras a mulheres ali presentes que hostilizavam o palestrante, se é que podemos chamá-lo assim. “Vocês são todas fascistas e antidemocráticas, ninguém é obrigado a concordar com vocês, é preciso respeitar todas as opiniões diferentes”. Não lembro com exatidão as palavras de lamúrias proferidas pelo rapaz, mas foi basicamente isso.
          Confesso que me comovi à priori com o tom de desolação. Pobre rapaz, vítima e testemunha ocular do “fascismo feminista”. Afinal, nessa sociedade desigual e doentia, todos de alguma forma tornam-se vítimas, certo? Refleti momentaneamente. Deve ser realmente MUITO difícil viver em uma sociedade que discrimina estes senhores tão oprimidos.
          Nunca colocaram os pés na quebrada, nem mesmo para comprar a indispensável droga pré-balada (Esses fazem uso do serviço Express); Jamais receberam tapas na cara da truculenta polícia simplesmente por parecerem suspeitos; Nem nos pesadelos mais terríveis, foram proibidos de entrar naquela loja de grife por estarem mal vestidos; Só utilizam o transporte público quando vão passar as férias na Europa; Aquela camiseta de marca nunca lhes pareceu cara demais; Jamais foram alvos de violência gratuita física e verbal [...] Mas ainda sim, esse grupo secular sofre com o “fascismo” da minorias. Quando digo minorias, não digo numericamente, mas minorias em direitos.
          Logo, entendemos como minorias (em direitos); Mulheres, negros, homossexuais, pobres, entre outros grupos que, segundo os nossos machos sofredores, não passam de ditadores que impõe diariamente um padrão ao qual os varões citados acima jamais conseguirão se enquadrar. Sofrem, choram, e sentem-se oprimidos simplesmente por serem brancos, héteros, homens, ricos.
          Sofrimento de verdade, pra mim (pobre e preto), é quando os “sofridos homens brancos” invertem os papéis. Opressor vira oprimido, e oprimido vira fascista. Zumbi dos Palmares foi fascista, Pagu foi fascista, Malcolm X foi fascista, Lampião foi fascista, Harvey Milk foi fascista. Sendo assim, sejamos todos fascistas contra esses Senhores de Engenho do Século XXI.

       

(Bruno Ottenio)

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Didelphis axilóide aguda - O fedor de Isaias.


Logo quando nasceu, Isaias foi diagnosticado como uma doença rara chamada “Didelphis axilóide aguda”. A doença inusitada era manifestada de acordo com as variações emocionais do garoto. Quando sentia-se feliz e empolgado com alguma situação corriqueira, seu córtex cerebral liberava endorfinas que simultaneamente lhe causavam um insuportável mau-cheiro nas axilas.
No começo, quando recebia o suculento peito da mãe após os histéricos gritos de fome, o bebê fechava os olhos com cara de satisfeito e exalava o insuportável fedor que desconcertava Dona Edith, a mãe. Não suportava sequer cinco minutos com a criança em teu seio. Edith revirou o país a procura de algum médico que curasse o “defeito” do menino, mas todos lhe davam o mesmo prognóstico: Não há cura, tampouco tratamento. E assim, por falta de opções, Isaias foi crescendo e fedendo absurdamente sempre que sua boca abria um mísero sorriso de felicidade.
Quando entrou na pré-escola, conheceu os cruéis apelidos atribuídos pelos coleguinhas de sala: Subaqueira, Gambazento, Fedô, entre outros tantos. Lanchava sempre sozinho pra evitar as piadócas e quando fazia gols nas aulas de Educação Física ninguém o abraçava nas comemorações. Todavia, quando ia mal nas provas, triste e livre do mau cheiro, todos se aproximavam para debochar mais uma vez do pobre Isaias.
O calvário maior do rapaz ainda estava por vir. Na adolescência, completamente retraído e traumatizado com os anos de catinga, sempre evitava as festinhas da galera. Ficou surpreso quando recebeu o convite do aniversário de 15 anos da Lurdinha, decidiu que iria e que daria um jeito de conter sua euforia; pobre coitado, bebeu demais e intoxicou a festa da moça com tanto mau-cheiro. As apaixonites da adolescência chegaram e junto delas o insuportável fedor de Isaias, por conta disso, o desgraçado jamais teve uma namorada. Seus tios não suportaram ficar na sala junto de Isaias quando o Vasco ganhou o campeonato brasileiro. E assim o rapaz foi vivendo, fedendo sempre que sentia-se bem, conseqüentemente, espantando todos a sua volta.
Os momentos de mau cheiro ficaram escassos ao longo do tempo. Cresceu, arrumou um emprego, formou-se em Engenharia Civil, comprou um apartamento, no entanto jamais livrou-se de sua doença. Perfumes e loções pós-barba eram inúteis nos momentos que o rapaz desatinava a feder. Logo, se viu sozinho, vítima de sua própria felicidade.
Isaias morreu cedo, quarenta e poucos anos, talvez de tristeza, talvez de ataque cardíaco, fumava demais disseram os médicos. Foi encontrado só em seu apartamento livre de qualquer mau cheiro. Em seu túmulo havia os seguintes dizeres: “Aqui jaz Isaias, fedeu demais porque tentou sorrir”.



(Bruno Ottenio)

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Fritas ou nuggets?



               Quem me dera ser bem decidido em qual ônibus subir ou qual cigarro fumar. E lá estava eu, na fila do fast-food que evidentemente escolhi errado no desespero da fome. A atendente ruiva de aparelho nos dentes perguntou-me de forma invasiva – Fritas ou nuggets? – como se fosse simples optar entre as múltiplas possibilidades. Olhei apreensivo para os lados e por uma fração de segundo me afeiçoei às batatas, logo em seguida, minha boca encheu-se d’água em imaginar sabor do frango; era uma decisão difícil. E ali, sendo encarado pelos olhos grandes da moçoila ruiva, divaguei em conflitos proporcionalmente intensos às guerras mundiais.
               Social democracia ou anarquismo radical? Miles Davis ou talvez John Coltrane? Shakespeare Apaixonado ou quem sabe O Último Tango em Paris? Deveria ter citado Foucault nas aulas de sociologia e não Deleuze; talvez ter ido a Moçambique em vez de Angola; queijo a goiabada; geral a numerada; contra-baixo a guitarra; cd’s a vinis – Moço?

- Fritas, por favor! 

(Bruno Ottenio)


sábado, 6 de abril de 2013

Refluxos lado B

Ainda moro na mesma casa de anteontem, venha me visitar um dia desses, prometo tentar ser o mesmo de outrora, quando éramos crianças.
               Já não calço mais trinta e cinco, e as cobertas ficaram curtas, meus pés quase escapolem-se nos dias de frio; agora peguei a estranha mania de estralar os dedos, um por um, inclusive os dos pés que transpassam o cobertor.
Meu cabelo cresceu um pouco, e agora preciso raspar o bigode duas vezes por semana; melhorei um pouco no violão e comprei alguns livros e discos, Roberto e Jorge ainda são meus preferidos, mas estou à escutar até o filho do historiador hora ou outra.
Ainda bebo cerveja na esquina, como porcarias, e falo palavrão à beça como você bem se lembra: “Puta que o paril”, “Cacete”, “Porra”, e alguns outros nesse mesmo nível, mamãe já nem se importa mais, antes mandava lavar a boca com sabão de coco e água raz, agora só balança a cabeça como se pensasse: “Onde foi que eu errei?”.
Conheci muita gente nesse vai e vem, bati muito papo mal batido, e várias prosas quase prosopopéias; tem crioulo que sumiu no mundão imerso nas figuras de linguagens, deixei de ver mais gordo, outros bravos companheiros correm próximos, já dei carona pra alguns na minha gringa poliglota.
Agora tomei tento meu chapa, comecei a estudar pra compreender melhor esse mundaréu, e descobri que isso é impossível, nego fala: “Tá errado”, mas continua errando. Lembrei-me de quando éramos crianças, e não sabíamos o que era certo e o que era errado, os sorrisos eram mais sinceros quando estávamos igualmente sujos. Ainda sorrio ás vezes, mas não com tanta freqüência quanto antigamente, muita coisa perdeu a graça, deixei de rir da desgraça.
O relógio agora passa bem mais rápido, mas os discos ainda continuam a girar na mesma velocidade.  Hoje cedo a vitrola me fez lembrar de ti, venha me visitar um dia desses, prometo ser o mesmo de outrora,  também prometo colocar aquele disco que a gente tanto gostava de ouvir enquanto tomávamos vinho do porto, porém devo avisar , ele já não diz a mesma coisa.

(Bruno Ottenio)