Ainda moro na mesma casa de
anteontem, venha me visitar um dia desses, prometo tentar ser o mesmo de
outrora, quando éramos crianças.
Já não calço mais trinta e cinco, e as cobertas ficaram curtas, meus pés quase escapolem-se nos dias de frio; agora peguei a estranha mania de estralar os dedos, um por um, inclusive os dos pés que transpassam o cobertor.
Já não calço mais trinta e cinco, e as cobertas ficaram curtas, meus pés quase escapolem-se nos dias de frio; agora peguei a estranha mania de estralar os dedos, um por um, inclusive os dos pés que transpassam o cobertor.
Meu cabelo cresceu um pouco, e
agora preciso raspar o bigode duas vezes por semana; melhorei um pouco no
violão e comprei alguns livros e discos, Roberto e Jorge ainda são meus
preferidos, mas estou à escutar até o filho do historiador hora ou outra.
Ainda bebo cerveja na esquina,
como porcarias, e falo palavrão à beça como você bem se lembra: “Puta que o
paril”, “Cacete”, “Porra”, e alguns outros nesse mesmo nível, mamãe já nem se
importa mais, antes mandava lavar a boca com sabão de coco e água raz, agora só
balança a cabeça como se pensasse: “Onde foi que eu errei?”.
Conheci muita gente nesse vai e
vem, bati muito papo mal batido, e várias prosas quase prosopopéias; tem
crioulo que sumiu no mundão imerso nas figuras de linguagens, deixei de ver mais
gordo, outros bravos companheiros correm próximos, já dei carona pra alguns na
minha gringa poliglota.
Agora tomei tento meu chapa,
comecei a estudar pra compreender melhor esse mundaréu, e descobri que isso é
impossível, nego fala: “Tá errado”, mas continua errando. Lembrei-me de quando
éramos crianças, e não sabíamos o que era certo e o que era errado, os sorrisos
eram mais sinceros quando estávamos igualmente sujos. Ainda sorrio ás vezes,
mas não com tanta freqüência quanto antigamente, muita coisa perdeu a graça,
deixei de rir da desgraça.
O relógio agora passa bem mais rápido,
mas os discos ainda continuam a girar na mesma velocidade. Hoje cedo a vitrola me fez lembrar de ti,
venha me visitar um dia desses, prometo ser o mesmo de outrora, também prometo colocar aquele disco que a
gente tanto gostava de ouvir enquanto tomávamos vinho do porto, porém devo
avisar , ele já não diz a mesma coisa.
(Bruno Ottenio)
(Bruno Ottenio)
Nenhum comentário:
Postar um comentário